Ao leitor desavisado pode até parecer que a Globo prima pela ética, pela lisura e pela correção profissional jornalística. Isto porque, com certa freqüência, abraça campanhas cívicas, como o combate à exploração de menores, o trabalho infantil ilegal e o trabalho escravo. E, visto assim, sem maiores aprofundamentos ou análises, em um primeiro momento, até pode parecer verdade o que é retratado nos seus jornais e telejornais e levar o leitor não acostumado a ler nas entrelinhas a ter um juízo errado sobre a realidade e o que as intenções nocivas da Globo acobertam.
Para melhor compreender a questão é fundamental que se retroaja alguns anos até quando o jornal O Globo era um nada, uma insignificância, que não se igualava aos grande jornais da época como o Jornal do Brasil, O Jornal, Última Hora, Diário de Notícias e etc. E O Globo tinha sérias e quase intransponíveis questões de ordem prática para viabilizar o jornal, vez que o grande problema para a sustentação do jornal estava calcado, antes de mais nada, num bom esquema de distribuição. (E o esquema de distribuição do Globo era péssimo, sem alcance algum)
Um fato, porém, mudou para sempre o destino do Globo: O trabalho infantil utilizado pelo O Globo para viabilizar a distribuição do jornal.
Valendo-se de crianças, sob o pretexto de dar um bom emprego aos menores de idade que queriam entrar no mercado de trabalho (ou precisavam), foi aberto uma enorme frente de trabalho basicamente formada de menores de idade, chamados de "Pequenos Jornaleiros". Com direito até a ter um abrigo, albergue, denominado "Casa do Pequeno Jornaleiro", onde a farta mão-de-obra barata jazia inerte como os semi-escravos nas fazendas dos coronéis, aguardando o cumprimento de ordens neste emprego sem futuro algum.
Esses tais "Pequenos Jornaleiros", menores de idade que eram, explorados, viabilizaram a distribuição dos jornais e suas próprias existências, assim como eliminaram o grande problema da indústria jornalística chamado distribuição. Isto porque, iam de casa em casa entregando e ofertando jornais, ou ficavam em esquinas - numa espécie de precursores dos mendigos e pedintes de sinais de trânsito - e vendiam (participavam da distribuição) os jornais, como se aquilo fosse profissão e como se os donos de jornais estivessem fazendo um grande favor em empregar essa mão de obra, desqualificada e barata.
Direitos trabalhistas? Carteira assinada? Garantias? O Globo nunca se preocupou com isso.
E foi com base num esquema de distribuição de jornais feito por menores de idade, trabalho infantil, chamados de "Pequenos Jornaleiros", que O Globo eliminou seu maior problema de subsistência, que era a distribuição de jornais, e viabilizou o maior crescimento já vivenciado por um empreendimento jornalístico, graças ao trabalho infantil e da exploração de menores.
Portanto, quando a Globo ataca o trabalho "escravo" em fazendas, quando aponta o trabalho de menores em vários segmentos da indústria e do comércio como sendo "trabalho escravo", está não só esquecendo do seu próprio passado de exploradora de menores, como está sendo cínica e descarada.
A força da Globo advinda da exploração de menores era tal, tão farta e proveitosa, que a Globo aproveitou de sua intimidade com o poder para colocar na lei um dispositivo específico para acobertar a exploração de menores em especial versando sobre a distribuição de jornais por menores. Vale dizer: qualquer um que explore o trabalho infantil em qualquer ramo ou atividade é merecedor de todas as críticas por estar explorando o menor em trabalho de adulto. Mas se este trabalho for a venda e distribuição de jornais (que no caso interessa diretamente à Globo), aí deixa de ser exploração de menor para ser um gesto de bondade do dono do jornal que está ajudando a pobre da família que precisa tanto de dinheiro que até coloca seus filhos menores para garantir a renda familiar, além do fato deste "emprego" ser uma grande oportunidade de trabalho e a formação profissional de um futuro trabalhador.
Não sei o que é pior no caso de exploração de menores: a ironia ou a covardia.
por Roméro da Costa Machado, escritor.
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